Marcha da maconha

08/06/2012 16:14

     Cânabis ou canábis, popularmente conhecido por maconha refere-se a um número de drogas psicoativas derivadas da planta Cannabis. O consumo humano da maconha teve inicio no terceiro milênio a.C. por hindus da Índia e do Nepal . A maconha era utilizada para fins recreativos, religiosos, espirituais e medicinais.

     O uso ou venda da maconha se tornou ilegal na maioria dos países do mundo no início do século XX, desde então, alguns países têm intensificado as leis que regulamentam proibição do produto, enquanto outros reduziram a prioridade na ampliação destas leis.

     A Marcha da Maconha iniciou em 1994 com mais de 485 cidades participantes em que ocorrem manifestações favoráveis a mudanças nas leis relacionadas à maconha, em favor da legalização da cannabis, regulamentação de comércio e uso (tanto recreativo quanto medicinal e industrial).

     Em entrevista a Revista ComArte, Milton Kissmann, 49 anos, não-me-toquense, ex usuário de drogas relata o antes e o depois do consumo das drogas.  Hoje, Milton trabalha voluntariamente com famílias que tem entre seus membros problemas com as drogas, no sentido de orientá-las em como agir e se comportar diante do problema e principalmente, como instruir o membro dependente para aceitar  a ajuda através de uma internação.

 

1 - Você é a favor ou contra a legalização da maconha? Por quê?

Milton – Sou contra a legalização da maconha por que:

Primeiro: a legalização colocaria em situação de risco muitos dos nossos jovens com relação à aproximação das outras drogas consideradas mais “pesadas” como a cocaína e o crack;

Segundo: Com a legalização, crianças e adolescentes passariam usar a droga com mais frequência e quando isso acontece eles passam a deixar a escola de lado. Esse é o primeiro sinal da situação de risco e alerta para educadores, pais e sociedade em geral;

Terceiro: A maconha já é a substância proibida por lei mais consumida no Brasil. Em dez anos, o uso de maconha entre estudantes da rede estadual de ensino aumentou de 2,8% para 7,6%. De cada cem brasileiros, oito já usaram maconha pelo menos uma vez na vida (Levantamento do Cebrid). Com a legalização perderíamos o controle da situação.

 

2 - Você já usou maconha? Outras? Quais?

Milton - Sim, a maconha foi a substância proibida por lei que mais consumi em toda a minha caminhada de drogadição e através dela acabei também me colocando em situação de risco, onde a consequência foi o envolvimento com pessoas que faziam uso de cocaína. Apesar de resistir por longo tempo, acabei cedendo e experimentando, gostando e me viciando. Por último conheci também o crack, a pior das drogas que experimentei.

 

3 - Como foram os 31 anos envolvido com as drogas?

Milton - É uma regressão dura de fazer. Lembrar como foi o meu primeiro contato com a droga, a estreia de uma vida cheia de promessas, mas que redundou em muitas tristezas, me angustia. É como se fosse hoje, apesar de já estar perto de completar quatro décadas. Eu e uma garota nos escondemos em um lugar, que só a gente tinha mesmo o hábito de frequentar. E ali, o mais escondido possível, minha companheira de aventura acendeu um cigarro de maconha, enrolado num pedaço sujo de papel. Naquele dia, curioso ao extremo, dei a primeira tragada. Era como se uma nuvem atravessasse a minha cabeça. Ao mesmo tempo que sentia cheio de coragem para enfrentar os problemas que estavam surgindo em minha casa, pressentia que uma situação ruim estava começando a partir daquele momento. E realmente foi um salto para o abismo, que duraram trinta e um anos. Do primeiro trago de maconha até o consumo de cocaína não demorou muito. O efeito dava coragem cada vez maior. A “viagem” era cheia de sonhos nebulosos. Visões que enchiam o peito de felicidade, mas que exigiam sempre uma dose mais forte para continuarem acontecendo. É uma história bastante longa, triste e angustiante, na qual eu sofri muito e também fiz sofrer todos aqueles que tinham amor por mim. Principalmente nos últimos seis anos, quando fiz uso do crack. Nesse tempo todo somente espalhei desgraça, desamor, desconfiança e violência. Acabei roubando o bem mais precioso que as pessoas tinham por mim, a “confiança”. Hoje já recuperado, levo em meu corpo marcas de acidentes, brigas e sequelas das drogas. Na alma, lembranças que precisam ser esquecidas.

 

4 - A maconha pode ser considerada porta de entrada para outras drogas?

Milton - Sem dúvida alguma, a maconha é a “principal” porta de entrada para as outras drogas. Todos aqueles que passam a fazer uso da erva, passam também a ter uma convivência maior com outros que seguem o mesmo caminho, ou seja, que também fazem uso de algum tipo de droga. O álcool também é uma grande porta de entrada para as drogas, porém, geralmente a primeira droga após o álcool, é a maconha. Daí para as outras drogas é só uma questão de tempo, muitas vezes, bem curto.

 

5 - Quais os prós e contras do uso da maconha?

Milton - Durante todos esses anos, fumei milhares de cigarros de maconha. Ao contrário daquilo que sempre julguei ser bom quando fumava a erva, a tranquilidade, a calma, a paciência para resolver as coisas. Hoje percebo o quanto essa calma toda, atrapalhou o meu crescimento natural que todo ser humano deve ter. Percebo também o quanto fiquei para traz, aliás, todos aqueles que fizeram uso da maconha juntamente comigo, ficaram para traz. Tenho hoje problemas de visão e audição por conta das chamadas “prensas” que é comum quando a fumaça é tragada. Portanto como posso ver algum “pró” em algo que não acresceu absolutamente nada em minha vida?

 

6 - Na Holanda a posse, o uso e a venda da maconha é legalizada. No Brasil isso poderá acontecer? Na sua opinião, quais medidas precisam ser adotadas?

Milton - Na Holanda, o percentual do consumo de maconha é quase cinco vezes maior que no Brasil, 34,2%. Ou seja, mais de um terço dos holandeses já usou maconha. O agravante é que o consumo de cocaína, heroína e ácido aumentaram desordenadamente após a legalização da maconha naquele país, tendo como consequência os mais altos índices de óbitos por overdose do mundo. No Brasil, se legalizada, provavelmente teremos os mesmos resultados. Sinceramente não acredito que a erva um dia será legalizada no Brasil. Há quarenta anos atrás, já ouvíamos comentários sobre a legalização ou não da maconha em nosso país. Porém prevaleceu até hoje o bom senso e principalmente o exemplo das experiências catastróficas vividas por países como a Holanda. Uma das medidas que deveriam ser adotadas aqui no Brasil, bem ao contrário da legalização da maconha, seriam as experiências de uma ação considerada eficaz no combate as drogas, implantada nos Estados Unidos, onde numerosos Estados americanos aprovaram leis que permitem aos policiais entrar nas festas em casas de família ou em bares comerciais para verificar o eventual uso excessivo de álcool por menores de idade. Feita a constatação, os adultos (responsáveis pelas festas ou comércio), inclusive os pais, sofrem autuações bastante pesadas. As multas variam de quinhentos dólares a dois mil e quinhentos dólares por adolescente. Na minha opinião, a responsabilidade deve ser compartilhada. No caso norte-americano, a ação das autoridades está provocando mudanças positivas no comportamento dos pais, que se tornaram alertas em relação aos filhos.

 

7 - Hoje você trabalha com famílias que tem membros dependentes. Como é feito esse trabalho?

Milton - Após a minha recuperação e retorno à vida, senti um desejo muito forte em dar ao meu próximo a mesma chance de recomeçar. Tornei-me um Embaixador da Esperança. Trabalho voluntariamente com famílias que tem entre seus membros problemas com as drogas, no sentido de orientá-las em como agir e se comportar diante do problema e principalmente, como instruir o membro dependente para aceitar  a ajuda através de uma internação. A família geralmente sente-se impotente diante do problema, justamente por não ter o apoio e o conhecimento necessário sobre o assunto. Então vou até esta família, dou as instruções de como devem abrir a porta para que eu chegue ao dependente, ou seja, preciso sempre ser aceito pelo jovem. Só então inicio o acompanhamento e a preparação, para que esse dependente reconheça que realmente precisa de ajuda competente para livrar-se do problema das drogas.

 

8 - A Fazenda da Esperança é um espaço onde as pessoas buscam reabilitação. Como é feito esse acompanhamento? Qual o tempo mínimo? Os resultados são positivos?

Milton - O projeto social Fazenda da Esperança adota o modelo de comunidade terapêutica, cujo programa de recuperação tem doze meses de duração e só é iniciado se o viciado demonstra sinais de interesse em deixar o consumo de drogas, mediante redação de uma carta de próprio punho. Na Fazenda da Esperança o processo de libertação das drogas fundamenta-se na prática do Evangelho. É essa sua raiz espiritual. O programa de recuperação é baseado também no trabalho, como fonte de auto-sustentação, e na vida em comunidade, como instrumento de mudança de mentalidade. Seu objetivo é recuperar os internos resgatando sua cidadania, buscando sua reabilitação física e psicológica e a reinserção social. Nela deve haver uma participação ativa dos internos na própria terapia e, dentro de limites, no governo da comunidade. Assim, são apontadas como características do modelo: a aceitação voluntária do programa, intensa e constante comunicação entre todos os membros, o enfoque na pessoa como um todo, dando-se ênfase ao indivíduo e não à droga, entre outras. Desde o início das Fazendas da Esperança, há 27 anos, já passaram por elas mais de 20.000 jovens. Sendo que 80% deles foram totalmente recuperados dos vícios.

 

9 - Em Não-Me-Toque o Grupo Esperança Viva realiza alguns projetos com o objetivo de ajudar famílias e dependentes. Quais são esses projetos?

Milton - Os grupos Esperança Viva, já existem há mais de 15 anos e estão espalhados em várias cidades do nosso país, e também no exterior. Porém, aqui em Não-Me-Toque o grupo foi fundado recentemente, no dia 21 de Abril de 2012. O objetivo é orientar as famílias com problemas de drogadição, dar acompanhamento para aqueles que querem livrar-se das drogas sem uma internação e acolher aqueles que estão retornando das internações. O grupo também é aberto a todos que querem levar uma vida com o estilo sugerido pela Fazenda da Esperança onde a prioridade é o amor e a vivência concreta da Palavra e do Evangelho. Temos como projeto inicial:

Nas escolas: imunizar as crianças, através de palestras, materiais como filmes, mostrando dependentes em processo de convulsão e até entrando em óbito por conta de overdose ou uso abusivo de entorpecentes. Pensamos que somente assim, causando um tipo de impacto bastante drástico, conseguiremos mostrar, já na infância, os perigos que cada um irá enfrentar se optar por entrar no mundo das drogas.

Na sociedade: nosso projeto principal é trazer de volta a vida, o máximo de pessoas que já estão envolvidas de alguma maneira com as drogas ou o álcool, evitando assim o sofrimento futuro que certamente a dependência trará. Ensinando à eles como recuperar o amor próprio, a humildade, a dignidade mostrando a cada um o valor da vida, e acima de tudo, o valor que cada um tem com a vida.

Gostaria de deixar uma última mensagem sobre isso!!

“ Amigos!! Para mim, a maconha foi liberada a 35 anos atrás, eu a liberei para mim mesmo. A minha vida e também a vida da minha família, foi completamente despedaçada por conta disso. Um ato de egoísmo de minha parte, que causaram marcas tão profundas e que hoje só me resta: Agradecer a Deus por ter me dado a chance de recomeçar. Chance que muitos, mas muitos amigos e amigas, não tiveram, e acabaram ficando pelo meio do caminho ao longo deste mundo tão escuro que são as drogas”.

Agradeço à todos a oportunidade que tive em poder falar um pouco desse grande mal que atinge a nossa sociedade. Espero sinceramente que o meu relato seja proveitoso para o crescimento pessoal de cada um com relação a legalização ou não da maconha no Brasil.

 

    O Bruno completa seu ano em Junho e está se preparando para uma missão na Alemanha. Está mandando abraços a todos os amigos e amigas.

 

Foto: arquivo pessoal (facebook). Autorizado por Milton Kissmann

 

Voltar